Transição de carreira no multiverso digital
Não, você não está em transição de carreira, é sua carreira que está transitando de universo. Parece mais um filme da Marvel que mostra a conexão entre universos paralelos ou contextos baseados em multiversos torcendo o espaço-tempo. Novas perspectivas estão chegando em todas as áreas e as novas tecnologias invadiram o contexto de todos. Neste momento, estamos precisando tanto de psicologia quanto de cálculo para conseguirmos nos entender profissionalmente e “desembolarmos” nossa trajetória nesse novo mundo.
Um estudo da McKinsey sobre o futuro do trabalho pós COVID-19, realizado no ano de 2021, mostra que as áreas de saúde e bem estar são as que mais terão demanda de profissionais, seguidas das áreas de “Tecnologia, Engenharia e Matemática” (conhecida por STEM), conforme apresentado na figura a seguir. O estudo fez um apanhado de 8 países com mercados de trabalho distintos e, embora não inclua o Brasil, traz muita informação relevante.
Conforme reportagem do Portal G1, a Brasscom aponta que o setor de Tecnologia da Informação (TI) deve gerar 400 mil vagas até 2024. Diante desse cenário, tenho ouvido muitas pessoas dizerem que precisam mudar de área ou fazer uma transição de carreira no caminho da área de TI. São pessoas de diversas formações, algumas recém chegadas ao mercado de trabalho e outras que estão buscando recolocação. Boa parte destas pessoas querem se tornar cientistas de dados, desenvolvedores de software ou gestores de TI para conseguirem melhores oportunidades de trabalho.
Despois de algum tempo convivendo com alunos nessa jornada, procurei entender o objetivo de carreira dessas pessoas. Ficou muito evidente para mim que elas amam o que escolheram para suas vidas e a profissão que, até então, vinham defendendo. No entanto, as crises recentes reduziram o universo de oportunidades de trabalho e as principais alternativas atuais estão no contexto digital ou exigem certo nível de proficiência em ferramentas de TI que, até então, era exclusivo das pessoas do departamento vizinho.
A importância dos modelos mentais (aka mindsets )
Pois bem, faço a vocês uma provocação: quando decidiram aprender inglês, vocês tiveram que virar professores de línguas? Acredito que não. Vocês melhoraram a condição de aprender com conteúdos existentes apenas em inglês e até começaram a interagir com empresas fora do país e na grande maioria, se mantiveram nas suas áreas de formação. Da mesma forma, a necessidade de desenvolver raciocínio lógico e entender como um software é concebido e entregue, não exige que um profissional se torne umengenheiro de softwareou cientista da computação . Para analisar dados e apoiar decisões estratégicas, também não é necessário se tornar um cientista de dados , por mais que algunsdigam que essa é uma profissão muito "sexy". :)
É ponto pacífico que os profissionais de alto nível precisam aprender os fundamentos da área de computação e as maneiras de como trabalhar de forma mais efetiva com as ferramentas de TI (em outro artigo, falei sobre isso,leia aqui). Por outro lado, é importante levar em consideração a mentalidade trabalhada nos profissionais durante sua formação em suas áreas de conhecimento. Aqui falo da forma de compreender o espaço de problemas daquela área em particular e conceber soluções para os clientes daquele contexto. Ninguém melhor que um administrador de empresas para pensar e implementar os modelos de gestão em uma organização; ninguém melhor que um engenheiro de produção para otimizar processos; ninguém melhor que um cientista social para entender a participação das pessoas nas inúmeras redes sociais que temos e por ai vai. Cada um tem um potencial enorme na sua área de atuação e isso não pode ser descartado ou subjugado.
Competências Digitais
Por outro lado, é certo também que, com o surgimento das criptomoedas, um analista financeiro agora deve compreender a mágica dos contratos inteligentes ( smart contracts ) que se executam automaticamente e os desdobramentos da descentralização de poder provida pela Blockchain. Um engenheiro de produção precisa entender deBusiness Process Management Suites(BPMS), Internet das Coisas (IoT) eRobotic Process Automation(RPA) para inovar nos processos da indústria. Todos precisam compreender como a agilidade na coleta, processamento e disponibilização de informações acerca de indicadores de desempenho potencializam a tomada de decisões em qualquer área.
Acontece que, para muito além da necessidade de aprendermos fundamentos da programação de software e a trabalhar com dados, existem outras competências importantes. Desde 2006, a União Europeia tem feito um esforço no sentido de sensibilizar e promover a conquista de competências digitais para todos os cidadãos. ODigComp(CARRETERO et al, 2017), criado em função desse esforço, define oito níveis de proficiência para as competências apresentadas na tabela a seguir. Isso tem sido utilizado como parâmetro para definir estratégias e políticas para a transformação digital da população nos países europeus.
O Bryn Mawr College apresenta umconjunto de competências relevantes no contexto digitalque devem ser aprendidas por seus alunos antes que eles cheguem no mercado de trabalho. A figura a seguir mostra as cinco áreas de foco para as competências digitais, a saber: (1) comunicação digital; (2) gestão e preservação de dados; (3) análise e apresentação de dados; (4) produção crítica, projeto e desenvolvimento; e (5) competências de sobrevivência digital.
Os tradutores
Cada vez mais, as organizações estão interagindo interna e externamente por meio das tecnologias digitais e se guiando pelos dados ( data-driven ). As pessoas precisam entender como fazer isso acontecer a partir das coisas mais simples. Essa nova mentalidade baseada no Digital é imprescindível para todos, não apenas por que suas atividades estão diretamente relacionadas com a produção, integração e análise de dados, mas porque os modelos de negócios e a relação entre as pessoas mudaram substancialmente a forma como as empresas se mantém competitivas e geram riqueza.
Assim como aprender o inglês foi uma exigência para atuar no mundo globalizado, aprender a programar computadores é necessário para integrar dados e plataformas, dando maior agilidade aos processos. Tenho chamado esses profissionais digitalmente aptos para os novos desafios de tradutores . Há uma carência enorme de pessoas que entendem do negócio e que consigam conversar com as pessoas da TI, servindo de interlocutores. Pessoas que traduzem necessidades dos diversos usuários em uma organização e ajudam a formatar alternativas digitais criando as soluções inovadoras que estão ganhando o mercado.
Nos dias de hoje, as equipes mais bem sucedidas são multidisciplinares, montadas por meio de uma mineração de talentos e geralmente incorporam esses profissionais coringas que “assoviam e chupam cana”, como diria minha mãe. São pessoas que entendem a complexidade de se projetar um banco de dados consistente e o tempo que leva para se criar um aplicativo que vai parar nos nossos celulares, vencendo o intrincado processo de publicação na AppStore ou na Google Play. Eles compreendem de forma muito própria as necessidades das diversas áreas de negócios e traduzem essas dores costurando a solução com os diversos profissionais da área de TI, sabendo o que cada um faz. É importante ressaltar aqui que uma boa parte dos profissionais de TI não desenvolvem essa habilidade nas suas escolas, outros vão buscar no caminho contrário do que foi feito pelos profissionais de outras áreas, novamente, se tornando tradutores no mesmo processo. :)
Em projetos que envolvem produtos e serviços digitais, esses profissionais de outras áreas, têm sido chamados de donos de produtos ( product owners ), gerentes de produtos ( product managers ), analistas de negócios ( business analysts ) ou são mantidos como pontos focais, algumas vezes como gerentes de projetos ou uma infinidade de nomes que cada ambiente vai demandar. Independentemente do título atribuído esses profissionais, eles articulam com as diversas partes, definem as prioridades, validam entregas, em síntese, agregam valor ao processo e, principalmente, ao cliente. Para isso, é necessário o entendimento dos aspectos técnicos das soluções de TI e também do valor para o negócio e como as decisões nos projetos vão garantir o retorno do investimento feito.
Considerações Finais
Quis compartilhar essa visão com vocês pois tenho visto muitas pessoas sofrendo com a “necessidade” ou proposta de fazerem uma “transição de carreira” para a TI, no entanto, na minha opinião, o caminho é, em muitos casos (eu diria na maioria), de complementação de formação ou de capacitação técnica mais objetiva e focada. Com isso em mente e levando em consideração a abundância de opções que temos hoje, existem muitas alternativas que ajudam profissionais de todas as áreas a se tornarem mais digitais fazendo o que sempre desejaram para suas vidas.
Resumindo, é importantíssimo incluir novos itens no nosso “cinto de utilidades do Batman” mas devemos considerar o modelo mental já criado, nossas competências principais para potencializar o que já fazemos de maneira inovadora e, principalmente, agregando mais valor aos nossos clientes e às nossas organizações.
Você, o que acha? Participe da discussão. Será um prazer trocar ideias e pavimentar a estrada dessa turma em busca da “transição de carreira” nesse multiverso digital.