Não existe a pílula do Matrix, ainda bem
Na onda dos rumores sobre a filmagem do quarto episódio da trilogia de Matrix, resgato uma metáfora que uso com frequência em palestras sobre o processo de formação e progressão de carreiras. Não existe a pílula do primeiro episódio da série de filmes Matrix que te leva a um universo em que é possível participar de um processo de treinamento avançado em questão de segundos. Tal como se fosse possível fazer o upload de conteúdos diretamente para o seu cérebro, incorporando novas competências, habilidades e atitudes de em um piscar de olhos. Da mesma forma, não existe uma pílula que te devolve a inocência perdida. Em outras palavras, como diria Einstein:
“a mente que se abre para uma nova ideia, nunca retorna ao seu tamanho original”.
E preciso lhes dizer, ainda bem que elas não existem. Se tivéssemos tais pílulas, na mesma rapidez que um jovem tomaria o lugar de profissionais seniores nesse mercado altamente competitivo, as novas gerações deixariam esse mesmo jovem sem emprego. Chegar à senioridade em qualquer área de conhecimento requer muito estudo, muito esforço e, principalmente, muitos erros em um caminho imprevisível. Somente com diversas tentativas e muitos percalços é que vamos conseguir a sabedoria para fazer escolhas boas e vencer com eficiência e eficácia os desafios que nos são apresentados. É fato que existem jovens talentos que desafiam a ordem natural das coisas. Os grupos do Whatsapp estão cheios de vídeos com exemplos de pequenos notáveis. Na história da computação, também temos exemplos de prodígios como Bill Gates, Mark Zuckerberg e muitos outros. Ao estudarmos essas pessoas em detalhes veremos uma razão para a façanha, ou temos talentos raros ou o caminho destas pessoas começou muito mais cedo que imaginamos. Vale pesquisar um pouco sobre a história de cada um deles.
A motivação desse artigo veio de diversas conversas com colegas de mercado e de docência e, principalmente, com os queridos alunos nas infindáveis discussões sobre progressão de carreira e foco de trabalho.
A Matrix
A revista exame deste mês, cuja capa é mostrada a seguir, traz uma matéria ( paywall ) que fala da busca incessante pelos desenvolvedores de software, que, segundo a revista podem escolher onde vão trabalhar e quanto vão ganhar. A escassez de profissionais na área de TI é impressionante e todos os dias vemos manchetes com números que nos impressionam continuamente: Empresas oferecem 10 000 vagas na área de TI em São Paulo, Mercado de tecnologia tem déficit de 24 mil profissionais por ano (paywall). Para muitos, há certa incongruência nestes dados uma vez que temos um volume de desempregados no Brasil que chega a 11,6 milhões de pessoas. Acontece que a grande maioria das pessoas que deseja ingressar no mercado de TI não cumprem requisitos mínimos para as vagas abertas. Não basta saber programar ou utilizar ferramentas digitais, é preciso falar inglês fluentemente, compreender os anseios das novas gerações no contexto global, dialogar com públicos de diversas culturas e principalmente, compreender a intrincada estrutura dos novos modelos de negócio da economia do compartilhamento.
Na corrida para inovar com agilidade, as empresas tem buscado aplicar as novas tecnologias digitais na transformação dos seus produtos e serviços agregando facilidades que estão ao alcance dos cliques nos smartphones . Nesse sentido, não basta criar um site ou um aplicativo que estabeleça um contato entre seus bancos de dados e os clientes. É preciso compreender as características desse novo cliente que transaciona a distância pela Internet e saber criar oportunidades para aproveitar a escalabilidade do mundo digital. A concorrência deixou de ser a loja do lado e, com as facilidades da rede global e uma logística cada dia mais eficiente, disputamos mercado com empresas espalhadas por todo mundo. Nessa briga, a pancada é forte e geralmente não se sabe de onde vem. Em outras palavras, as empresas precisam de mão de obra especializada em diversas verticais do conhecimento para atuarem na sua linha de frente e promoverem a transformação necessária.
Se olharmos apenas para as competências técnicas exigidas pelas empresas para composição dos seus quadros, já temos um caminho longo a ser percorrido pelos candidatos para pleitearem as posições em aberto. É nesse ponto que eu queria chegar, pois muitas pessoas têm buscado saídas mágicas ou atalhos incríveis que possam catapultá-las para estas vagas em um tempo recorde. Desde que mundo é mundo, para ficar realmente bom em alguma coisa, é preciso tempo e somente com muito estudo e a vivência em desafios práticos conseguimos alcançar a competência para realizar.
O complexo caminho da formação
Para exemplificar, vou utilizar dois dos perfis mais demandados no mercado, o de cientista de dados e o de desenvolvedor de aplicações. O primeiro é o responsável por identificar padrões úteis e replicáveis que valem ouro para negócios de todos os segmentos nas infinitas fontes de dados, internas e externas, em um processo de verdadeira mineração a partir de técnicas que utilizam como base a estatística e as técnicas de Inteligência Artificial (IA). O segundo é o responsável por criar aplicativos e sites da Internet que dão vida às ideias mais mirabolantes que tem surgido por meio de startups , spin offs e joint-ventures mundo afora. Tudo isso aproveitando o super computador altamente conectado que cada um de nós carrega no bolso, levando a experiência do usuário a níveis estratosféricos.
O cientista de dados
O caminho para se tornar um cientista de dados de grande valor é extenso, árduo e diverso. O mapa do metrô criado pelo Swami Chandrasekaran e compartilhado em seu post de 2013 traz uma visão muito boa sobre essa jornada e é apresentado a seguir. Pelo ano da publicação já dá pra ver que não há nada de novo debaixo do sol. Pois é, se você observar com cuidado, a maioria dos tópicos são a base de todo bom curso de graduação em computação. É o caso de álgebra linear, estruturas de dados, algoritmos, estatística descritiva, probabilidade, entre outros. Sem essa base, a busca por tópicos mais avançados será um exercício de tatear universos desconhecidos com uma venda nos olhos, sejam as ferramentas de produtividade em analytics como Power BI, Qlik e Tableau, sejam plataformas envolvidas em um pipeline de processamento de Big Data como Flume, Kafka, Hadoop e Spark, ou, ainda, as técnicas avançadas de machine learning , redes neurais profundas, NLP e outros.
Se você não conhece nada disso, alcançar a proficiência em cada um dos tópicos desse mapa de metrô da ciência de dados levará, no melhor dos casos, algo em torno de uma semana por item. São 181 itens ao todo, o que te exigiria em torno de 3 anos de estudo concentrado.
O desenvolvedor de software
Já se foi o tempo em que, para desenvolver um software, precisávamos apenas de uma pessoa. Nos dias de hoje, essa tarefa requer um time multidisciplinar em que entram em cena diversos perfis: o product owner (PO) que atua como interlocutor entre a necessidade real e as tecnologias necessárias para implementação do software, o designer de experiência do usuário que compreende como ninguém a melhor forma de se projetar um produto ou serviço campeão, o *facilitador **que conhece de metodologias ágeis e articula o trabalho do time, além de um **time de programadores **que conheçam diversas plataformas ( *stacks ) e que podem ser estratificados em front end ou back end e que, preferencialmente, já conheçam a cultura DevOps e como entregar um software com agilidade no ambiente de nuvem.
Para se tornar um Dev com direito a escolher o lugar para trabalhar e quanto quer ganhar, como retrata a revista Exame, você deverá passar por um roteiro recheado de tecnologias. No Roadmap de um Web Developer, um espetacular diagrama criado pelo Kamran Ahmed , é possível observar os tópicos recomendados para se tornar um desenvolvedor Web nas vertentes front end, back end e DevOps. O autor faz, ainda, uma análise dos níveis de senioridade identificando o que caracteriza um profissional junior, pleno ou sênior e vale a pena verificar. O diagrama da carreira de front end, a primeira parte dos três existentes, é apresentado a seguir. Verifique os outros diagramas no site do Roadmap. Nesse diagrama do Front End Developer , é possível visualizar tecnologias já consolidadas como os padrões HTML, CSS e JavaScript, passando por técnicas avançadas que envolvem as abordagens de Progressive Web Apps e os *frameworks *mais badalados como React, Angular e Vue e chega a citar tendências como o web assembly que ainda está em discussão no mundo das aplicações Web, começando a tomar espaço.
Os outros diagramas são recheados de tecnologias e apontam o caminho a ser seguido por todo interessado em percorrer o caminho da formação de um desenvolvedor de software atualizado com as principais tendências do mercado.
Considerações Finais
É importante ressaltar que, embora alguém possa pensar o contrário, esse artigo tem o objetivo de estimular as pessoas e, principalmente, alinhar expectativas. O mercado de TI, na minha visão, está passando por um dos seus momentos de glória, com inúmeras oportunidades que atendem a todos os perfis. E o mais interessante, é uma das poucas áreas do conhecimento que te permite trabalhar com qualquer tema que você queira, pois a computação, na maioria dos casos, é meio e não o fim. A título de exemplo, é possível aplicar o arsenal computacional em diversos contextos como: (1) no mundo do agronegócio na vertente da agricultura de precisão ou na otimização da cadeia do leite; (2) na área da saúde no monitoramento da glicemia de diabéticos ou na interpretação de imagens de tecidos do corpo humano, (3) na industria, com a otimização de processos baseados em robótica ou na visualização de dados de produção em dashboards analíticos.
Enfim, nessa área há espaço para todo tipo de perfil e todo tipo de gosto, entretanto, é preciso foco e muita persistência. Com isso, o caminho é longo, mas o sucesso é certo. Posso lhes garantir. Forte abraço.