O design e o fórum adequado para definição de estratégias
No final do ano passado, iniciei uma formação complementar no contexto da disciplina de Design Thinking . Não apenas para aprofundar os conhecimentos sobre as técnicas a serem empregadas na solução de problemas, mas para compreender como guiar equipes na identificação de saídas interessantes e de alto valor para clientes. Pois bem, ao discutir com alguns colegas após várias dinâmicas, tivemos alguns insights que maturei por um tempo e quero compartilhar.
Desde os primeiros projetos que participei com a aplicação de estratégias baseadas Design Thinking , há mais de 5 anos atrás, já havia percebido o seu potencial transformador na compreensão do real valor que é desejado pelos clientes. Entretanto, as discussões realizadas nesse processo de aprendizado recente, me chamaram a atenção para o quão multidisciplinar deve ser o grupo responsável por definir as estratégias da organização, principalmente nesse mundo complexo e mutante em que estamos vivendo, muitas vezes denominado por mundo VUCA. Esse grupo deve tratar de questões tradicionais como a gestão de processos, produtos e pessoas de forma eficiente e inovadora, além da intrincada logística financeira que equaciona as contas da organização. No entanto, a definição de estratégias para os próximos passos começa a exigir outras preocupações, para as quais, os envolvidos costumeiramente não possuem o background necessário. Isso inclui a percepção de como as novas gerações estão mudando o cenário com expectativas desafiadoras, a gestão da imagem interna e externa no universo dinâmico das redes sociais, a compreensão empática da jornada do cliente no consumo de produtos e serviços, além da visão adequada do mundo digital na transformação dos modelos de negócios.
Na sequência, faço uma breve reflexão sobre os pontos que justificam a sugestão que faço ao final para composição da mesa de definição de estratégias nas organizações.
O design na concepção de produtos e serviços
Embora seja um assunto em que me reconheça mais como entusiasta, vou começar pelo campo do Design (), a motivação principal que me fez criar este texto. O pensamento por trás da abordagem denominada *Design Thinking se baseia na compreensão profunda das necessidades do cliente antes que qualquer coisa seja produzida, sejam produtos ou serviços. Daí surgem as preocupações que vão muito além da interface e até mesmo da interação do usuário com aquilo que vamos oferecer a este cliente. **Antes de tudo , é importante se ater aos valores compartilhados entre o usuário e a organização que deseja alcançá-lo, o que vai alinhar propósitos e despertar um interesse genuíno pelo relacionamento. Durante o processo de criação , é importante se ater ao valor efetivo que o usuário vai conseguir extrair daquilo que lhe é oferecido (produto ou serviço), o que vai confirmar o alinhamento prévio e gerar uma troca de valor real, fortalecendo o relacionamento estabelecido. E, depois , é importante se ater ao sentimento de realização do objetivo inicial e à percepção de valor pelo usuário, o que vai gerar fidelidade natural. Isso, para mim, é o que traduz o conceito de experiência de usuário (UX). De forma mais sintética, para os papas do assunto, Don Norman e Jakob Nielsen, UX abrange todos os aspectos de interação dos usuários com a organização, seus produtos e serviços. Mas recentemente, o mercado tem utilizado o termo Customer Experience (CX), ampliando a visão da percepção de valor no relacionamento da organização com seu cliente após diversas interações, como mostra a imagem a seguir, extraída do artigo, também do NN/G que desmistifica mais essa buzzword.
Nesse sentido, uma boa reflexão, já meio passada mas muito válida, é proposta pelo Simon Sinek no seu trabalho denominado Golden Circle que culminou no livro Start with Why: How Great Leaders Inspire Everyone to Take Action. No vídeo do TED que se segue, Sinek apresenta a ideia principal que remete a como os valores da organização influenciam na forma como se produz aquilo que é oferecido aos clientes e como isso gera um engajamento real. Caso ainda não conheça essas ideias, recomendo assistir ao vídeo.
Na busca pela melhor experiência do usuário, as dinâmicas de Design Thinking estabelecem um processo contínuo de experimentação a partir de um mergulho no contexto do cliente, tratando este com empatia e, posteriormente, definindo o que agrega valor de fato. Esse é um processo altamente necessário nos dias de hoje, uma vez que a diferença geracional e o caráter naturalmente global das soluções digitais criaram um distanciamento difícil de se transpor na tentativa de compreender todas as características do nosso cliente e seus anseios. Definitivamente, as técnicas tradicionalmente utilizadas para entender o nosso mercado não conseguem mais atender nesse mundo atual.
Para muitos, o design está associado tão somente à embalagem com a qual vamos entregar nossos produtos ou serviços ao cliente. Confesso que, para alguns segmentos de mercado, essa era também a minha visão e, em boa parte, essa é motivação para esse artigo. Na Engenharia de Software, ao longo do tempo, o processo de desenvolvimento de software vem sendo aprimorado para contemplar adequadamente a participação do designer na criação de soluções. Essa evolução é apresentada por Alan Cooper no seu livro About Face: The Essentials of Interaction Design que eu utilizo como uma das referências nas aulas de Interação Humano-Computador (IHC). As mudanças são retratadas por Cooper no diagrama a seguir que mostra como o designer entra somente na terceira onda e, mesmo assim, no final do processo. Nos dias de hoje, o designer desempenha um papel fundamental no mapeamento das necessidades para proposição de soluções, interagindo com gestores de projetos e desenvolvedores de software.
A contribuição do designer vai além da forma e dos significados expressados na comunicação de um produto ou serviço, mas inclui a funcionalidade e como o usuário interage com isso do início ao fim. Nesse ponto, vale uma menção às origens da área como uma disciplina, com a fundação da Bauhaus em 1919, considerada a primeira escola de design do mundo. Entre outras coisas, a Bauhaus propunha a junção entre “arte e artesanato” e uma atenção especial à funcionalidade de produtos. A importância do movimento Bauhaus na área é incontestável.
No entanto, a provocação aqui vai além do envolvimento do designer no processo criativo da geração de soluções. É necessário pensar no designer e nas estratégias baseadas em Design Thinking como agentes de transformação dos processos organizacionais, revendo desde a forma como funcionários se engajam nas diversas ações internas até na forma como a alta gestão estabelece suas estratégias, uma vez que isso afeta diretamente a experiência do usuário com seus produtos e serviços.
(***) Aos designers e demais atuantes na área, peço-lhes compreensão para com a possível superficialidade ou com as divergências conceituais relacionadas ao tema. Usem os comentários para me ajudar nessa parte.
O Marketing Digital e a percepção de clientes diante das redes sociais
A partir das mudanças decorrentes do movimento que ficou conhecido por Web 2.0, o mundo do Marketing nunca mais foi o mesmo. O Google AdSense e AdWords alteraram a forma como as empresas fazem sua publicidade e de lá pra cá, os motores de busca ( search engines ) têm desempenhado um papel fundamental nas estratégias publicitárias. Até mesmo o e-mail que parecia insubstituível, vem perdendo significativo espaço para o Whatsapp e colocado em xeque a eficácia das campanhas de e-mail marketing que, para alguns, já nem são mais utilizadas. As soluções de *chatbots *começaram a invadir as plataformas sociais e a estrutura das campanhas aponta para mais reviravoltas nesse cenário.
No campo das redes sociais digitais, o vídeo a seguir mostra um pouco do movimento em torno da popularidade das redes e isso nos coloca a refletir sobre como as marcas têm tido trabalho para comunicar adequadamente com seu público.
O fato é que a corrida pela reformulação de estratégias e a busca pelo entendimento e uso das novas mídias tem sido uma constante nos departamentos de marketing das organizações.
No entanto, marketing é muito mais que publicidade e está além do relacionamento com o cliente, sendo fundamental para compreender os objetivos estratégicos da organização e orientar a cadeia de criação de valor que será percebida pelo cliente e convertida em resultado para o negócio. Novamente estou entrando em uma seara pouco conhecida, mas que respeito bastante. Por conta disso não vou me delongar. O fato relevante aqui é que muitas empresas simplesmente não fazem uma distinção adequada do papel de áreas vendas, marketing e publicidade. Ou quando fazem, não envolvem adequadamente essa equipe na definição das estratégias.
A TI e os novos modelos de negócios do mundo digital
No campo da Tecnologia da Informação (TI), é importante resgatar um histórico recente da área no processo de participação das definições estratégicas nas organizações. No artigo da Harvard Business Review intitulado “ IT Doesn’t Matter “, Nicholas Carr (2003) provocou grandes reflexões acerca da importância da área de TI no mundo dos negócios. O autor comparava a TI com outras commodities como energia elétrica e ferrovias, a colocando como um ativo facilmente replicável e sugerindo que os gestores deveriam evitar grandes investimentos em TI como instrumento de diferencial competitivo. O desdobramento nas mais diversas organizações foi uma desvalorização da área de TI que, em muitas organizações, tem sido relegada a segundo plano com uma redução significativa em investimentos. Mounica Vennamaneni (2016) faz uma crítica ao artigo de Carr e apresenta diversos contrapontos que mostram que a TI, quando bem utilizada, pode se tornar, sim, grande diferencial nos negócios.
Pois bem, de 2003 para cá, o mundo mudou, e mudou muito rápido também. Diante das transformações digitais que temos visto, a TI voltou a ser considerada uma área fundamental para a definição de estratégias para o negócio. O vídeo que segue mostra de forma contundente como as empresas baseadas em TI invadiram o ranking das mais valiosas do mundo nos últimos anos. Isso evidencia como dados, informação e seus subprodutos se tornaram um dos ativos com maior potencial de impacto no valor das organizações.
O aumento da importância da TI na estratégia do negócio pode ser observado nos mais diversos segmentos. No setor automotivo, a consolidação do mercado de montadoras reflete um movimento que busca racionalizar recursos e unir esforços na aplicação de inovações. Como exemplo, podemos citar a inteligência artificial em carros autônomos e a conexão onipresente durante todo o trajeto, suportando a interação do usuário com outras pessoas por meio de aplicativos de todo tipo. Na educação, quando citamos o termo Educação a Distância (EAD) para as novas gerações, parece haver uma verdadeira confusão. Para estes novos estudantes, como o celular se tornou a interface natural para acesso ao mundo de informações disponíveis, “distante” passou a ser o prédio da Universidade que está a quilômetros de onde estamos e requer um Uber para chegarmos até lá. Os cursos virtuais estão a um clique de distância e facilitam a interação em qualquer lugar e a qualquer hora. Para eles, não há distância no mundo virtual.
Por outro lado, em boa parte dos executivos, é grande o desconhecimento sobre como as novas tecnologias podem mudar o rumo dos negócios. Isso acaba sendo agravado por informações desencontradas acerca da aplicação e da capacidade de cada tecnologia. Um caso curioso está relacionado com o novo filme da série “O Exterminador do Futuro” que provocou irritação nos pesquisadores da área de inteligência artificial por conta de mostrarem uma realidade distante. Segundo os pesquisadores, filmes como esse geram uma falsa impressão do que efetivamente pode ser alcançado com a tecnologia disponível.
O entendimento adequado das tecnologias que estão chegando pode gerar modelos de negócios disruptivos como no caso das estruturas de blockchain *ou altamente escaláveis como aqueles que se baseiam no conceito da cauda longa. É preciso estar atento a como as tecnologias podem viabilizar negócios voltados para um mercado global que pode escalar exponencialmente, enquanto a matriz de custos cresce em proporção linear ou até mesmo logarítmica. Em outro artigo, falei sobre a importância de todos "sabermos programar" em que cito uma série de empresas bilionárias cuja base está relacionada às *Application Programming Interfaces (APIs). São negócios completamente diferenciados cujo alicerce está nos intricados detalhes técnicos da computação envolvida e que rompem com os modelos tradicionais.
Considerações finais
A discussão sobre a definição de estratégias vai longe e, claro, certamente deve incluir profissionais de outras áreas, principalmente aquelas que representam o objetivo fim das organizações. É o caso dos profissionais da saúde, dos engenheiros, dos advogados, entre outros.
A proposta desse artigo é despertar nos gestores a atenção para com a necessidade de abordagens colaborativas, experimentais e iterativas na definição das estratégias nas organizações. Basicamente, o que é proposto no processo de Design Thinking .
Fica então a provocação, me digas com quem “estrategizas” que direi para onde tu vais. Diante da complexidade desse mundo atual e com incertezas em todas as frentes, tornou-se imperativo incluir na mesa de definição das estratégias a turma do marketing , por uma visão que vai além das ações da publicidade, a turma do design , por uma construção que vai além das questões estéticas e a turma da TI , por uma modelagem de negócios que vai além da codificação dos programas.
E você discorda ou concorda com essa visão? Deixe suas contribuições nos comentários.