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Nossa vida virou comida de IA

Outro dia fui levar minha mãe para viajar e, em determinado momento, alguém de um grupo próximo que se despedia de um ente querido resolveu bater uma selfie com todos. Percebi que eu estava na linha de tiro daquela selfie e, sem que eu tivesse tempo para qualquer reação, acabei sendo incluído, involuntariamente, em mais um registro da memória inacabável dos algoritmos de IA do Google. Para os que não compreendem o mecanismo, o Google oferece armazenamento gratuito e, quase obrigatório, para todas as fotos dos donos dos smartphones Android. O mesmo acontece em outras empresas que oferecem espaço gratuito para os mais diversos serviços da Internet. Cada foto incluída no infindável espaço de nuvem acaba sendo utilizada pelas gigantes da Internet para treinar seus mecanismos de Inteligência Artificial (IA). Nessa foto em que fui incluído involuntariamente, o Google pode cruzar diversas informações sobre minha vida, mesmo que eu estivesse sem o celular naquele momento. Além de aproveitar os dados registrados pelo celular na sua foto, a IA também reconhece rostos na foto e te oferece nomes de pessoas conhecidas para marcação. Se você confirma a sugestão, lá vai mais um reforço positivo para o algoritmo.

Não para por ai, você já imaginou o que é possível inferir a partir de todas as suas fotos? Não seria muito difícil dizer qual o seu padrão de vida, as coisas que você gosta de fazer, e os lugares que costuma frequentar. Some a isso as buscas que você faz na Internet e os e-mails que você troca, pronto, prato cheio para fazer um verdadeiro senso sem a necessidade de te entrevistar. Há quem diga que os próximos sensos não vão requerer que os agentes do IBGE visitem a sua casa, basta acessar suas interações nas redes sociais.

Photo by Brett Sayles from Pexels

Pois bem, pelo serviço Linha do tempo, disponível no Google Maps, você consegue visualizar todas as informações relacionadas ao seu trajeto desde o dia que você habilitou o serviço. Mesmo que o seu celular esteja com o GPS desligado em alguns momentos do dia, suas informações vão sendo catalogadas para capturar cada passo que você dá (veja estas duas reportagens mais antigas no The Guardian e na CNET). Na foto abaixo, compartilho com vocês o meu trajeto monitorado no dia 25/10. Confesso que já recorri a este recurso para identificar onde eu estive em determinado dia do passado (rsrs). Todas estas informações vão sendo utilizadas para compreender o comportamento dos usuários do serviço que, por sua vez, fornece grandes *insights *para os mecanismos de IA.

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Ao colocar hashtags *em fotos publicadas do Instagram, você está ajudando o Facebook a entender a que se referem essas fotos e com isso estamos fornecendo comida para os algoritmos de IA da companhia. As *hashtags fazem parte do que conhecemos, tecnicamente, por folksonomia, uma versão mais nova da taxonomia, só que dessa vez, não são especialistas da área ou bibliotecários de plantão que definem como as coisas são organizadas, mas o público ( folks ). Isso torna os algoritmos de IA mais próximos das nossas preferências e compreensão de mundo, oferecendo sugestões mais precisas e ajustadas à nossa realidade. Além disso, todas as nossas buscas no Google, Bing e outros, bem como, nossas curtidas de postagens nas diversas redes sociais vão ajudando a IA a compreender o que está “bombando” e o que nos interessa, individualmente e coletivamente. Junte isso tudo e você tem uma máquina de marketing poderosa o suficiente para inspirar os criadores de campanhas e gerar oportunidades publicitárias que se espalham por todo lugar por onde passamos, principalmente no mundo virtual.

Todas as vezes que um site da Internet te pede para identificar em uma foto os quadrados que possuem um sinal de trânsito, você está alimentando uma inteligência artificial baseada em visão computacional que, em carros autônomos, vão reconhecer de forma cada vez mais precisa onde estão os semáforos para decidir se seguem viagem ou param o carro. Na imagem abaixo, são mostradas uma cena de um vídeo no Youtube sobre visão computacional em tempo real e um CAPTCHA como o que mencionei. Para quem não sabe, CAPTCHA é um acrônimo para “Completely Automated Public Turing test to tell Computers and Humans Apart”, um mecanismo na computação para saber se você é mesmo um ser humano ou um robô. O Google vem aproveitando CAPTCHAs há bastante tempo como comida para uma IA específica.

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Logo vem a pergunta na sua mente: “E quanto a minha privacidade, o Google ou Facebook têm direito de fazer isso?”. Pois bem, em algum momento do passado, você deve ter passado por uma tela que lhe pede confirmação sobre os termos do serviço. Provavelmente, como todos já estão usando e você não tem muito tempo para ler aquilo naquele momento, você acaba aprovando. Extraí um trecho do termo para que possamos compreender como as coisas funcionam. Veja abaixo o trecho extraído dos termos de serviço do Google. Os termos do Facebook e de outros gigantes da IA são muito parecidos.

Quando você faz upload, submete, armazena, envia ou recebe conteúdo a nossos Serviços ou por meio deles, você concede ao Google (e àqueles com quem trabalhamos) uma licença mundial para usar, hospedar, armazenar, reproduzir, modificar, criar obras derivadas (como aquelas resultantes de traduções, adaptações ou outras alterações que fazemos para que seu conteúdo funcione melhor com nossos Serviços), comunicar, publicar, executar e exibir publicamente e distribuir tal conteúdo. Os direitos que você concede nesta licença são para os fins restritos de operação, promoção e melhoria de nossos Serviços e de desenvolver novos Serviços.

Você conhece pessoas que não toleram as redes sociais virtuais e decidiram ficar de fora? Se, por acaso, você tem o contato desta pessoa em algum dos seus aplicativos e publica coisas que acabam por incluir estas pessoas seja em fotos ou em textos de postagens, é bem possível que o Facebook conheça esta pessoa bem mais do que ela gostaria. Este fenômeno é chamado de shadow profiles, ou seja, perfis de pessoas que estão na sombra do Facebook. Embora o Facebook não reconheça a prática, eles reconhecem que guardam informações que nós fornecemos por questões de segurança.

Existem diversas outras situações na nossa interação seja com o celular ou no computador do trabalho em que os dados gerados estão sendo utilizados para treinamento de mecanismos de IA. Cada aplicativo que abrimos, cada clique que damos em um site, enfim, tudo é monitorado e serve de alimento para os insaciáveis mecanismos de IA que buscam copiar o nosso comportamento para nos substituir em tarefas rotineiras ou fornecer sugestões sobre o que podemos consumir na sequência. O fato é que não sabemos o quão bom isso é e para onde isso está nos levando.

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Conversando com uma turma do curso de Business Intelligence e Analytics, comentei que estamos vivenciando um momento de transição que está muito parecido com aquele momento em que somos pegos no mar por uma onda forte e levamos o maior “caixote”. É ruim, mas logo sentimos o toque da areia e sabemos que vai acabar em breve. Entretanto, neste momento, estamos vivenciando um caixote excepcional, daqueles em que aparentemente o chão ainda está longe e não conseguimos sequer avaliar quando conseguiremos tomar pé da situação e parar de sermos levados pela onda.

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Foi daí que resolvi compartilhar a preocupação de começarmos a compreender o caixote que estamos levando dessa onda gigantesca e, a partir desse entendimento, descobrirmos formas de sair desse desconforto e gerar novas oportunidades. No livro A Quarta Revolução Industrial, Klaus Schwab discute os impactos positivos e negativos das grandes mudanças e propõe um “caminho a seguir” que passa pela adaptação da forma como vemos e interagimos com o mundo, vale a leitura.

E você como está percebendo esta transição de mundo na sua vida? Conte pra gente.